As mudanças no programa abrem espaço para que, no futuro, o usuário use um cartão único para os benefícios de refeição e alimentação
O Brasil de 1976, quando foi criado o PAT - Programa de Alimentação do Trabalhador - não é o mesmo de hoje. Mas, como foi ao longo de 45 anos, o programa permite que muitos brasileiros possam ter acesso a refeições de qualidade, que as empresas mantenham empregados mais satisfeitos, que bares e restaurantes possam trabalhar e contribuir com o bem-estar da sociedade. Hoje ele chega a mais de 22 milhões de pessoas (ou mais de 40 milhões, se contarmos as beneficiadas indiretamente).
O PAT cria um ciclo virtuoso uma estimativa realizada em 2017 mostrou que os cerca de R$ 100 bilhões movimentados pelo programa tenham gerado outros R$ 60 bilhões na economia do país. Ele também permite que o governo receba em troca uma arrecadação mais robusta, mesmo com a isenção no imposto de renda que as empresas recebem por aderir ao programa.
De cada R$ 1 revertido para o PAT gera R$ 2,85 em impostos diretos e indiretos ao governo, segundo estudos do economista Juan Ferres.
Criado para combater a insegurança alimentar entre os trabalhadores, permitindo melhorar a produtividade da mão de obra no país, o programa criou condições também para o fomento de milhares de empregos em uma cadeia de negócios complexa e bem estruturada. Os estabelecimentos são parte essencial desta cadeia, beneficiando-se do movimento que o programa propicia, principalmente nas grandes cidades.
Em sua trajetória, o programa também abrigou outros tipos de benefícios, como o vale-alimentação. E mudanças tecnológicas foram incorporadas: o surgimento dos cartões eletrônicos, os aplicativos para smartphone para controle dos gastos e diversos outros exemplos.
Mas as mudanças não foram todas positivas. O princípio fundamental do programa, do combate à insegurança alimentar, foi aos poucos sofrendo uma distorção. A concorrência acirrada entre as emissoras dos cartões de vale-refeição ao longo do tempo passou a dar força ao chamado rebate, na prática um desconto que as emissoras dão às empresas empregadoras que contratam seus serviços.
Isso tira do foco, na escolha do melhor plano por parte das grandes empresas, a preocupação de melhorar os aspectos de insegurança alimentar e de qualidade nutricional de seus empregados.
O ponto central acaba sendo a negociação em torno do melhor rebate. Isso também gera outro efeito prejudicial. O desconto ofertado pelas operadoras de cartão acaba sendo cobrado de modo indireto nas taxas pagas pelos restaurantes (hoje, de cada R$ 100 recebidos dos clientes, os estabelecimentos ficam com R$ 93, em média), influindo no aumento de preços das refeições e causando, portanto, inflação.
“Hoje, além da insegurança alimentar, é preciso combater também o desequilíbrio nutricional. As famílias brasileiras comem mal, abusando de ultra processados. E o consumo em restaurantes contribui para o equilíbrio, permitindo o consumo de alimentos mais saudáveis. O programa tem todas as ferramentas para contribuir muito na solução destes problemas. Mas ao longo do tempo a questão comercial se impôs, desviando do propósito de trabalharmos em conjunto pelo bem-estar dos nossos trabalhadores”, explica o presidente-executivo da Abrasel, Paulo Solmucci.
Outra ameaça ao programa foi a criação do chamado auxílio-alimentação, na minirreforma trabalhista de 2017, através de uma alteração na CLT. A diferença entre os dois é que o auxílio-alimentação está fora do PAT e não sofre a mesma fiscalização porque também não oferece o incentivo fiscal para as empresas (redução no imposto de renda).
Como está fora da fiscalização, o auxílio-alimentação acaba sendo usado com mais frequência para outros propósitos, até o pagamento de plataformas de streaming, compra de bebida alcoólica ou combustível, o que desvirtua completamente o propósito do programa.
Nova mudança de regras
Em novembro de 2021, o governo federal baixou um decreto fazendo novas alterações nas regras do PAT, dentro de novo conjunto de ajustes na legislação trabalhista. Uma das principais mudanças, que passa a valer imediatamente, foi a proibição dos rebates dentro do programa. O primeiro grande problema é que o decreto excluiu o auxílio-alimentação da nova regra. O temor é de que as empresas passem para esta outra modalidade.
“Se não houver a proibição do rebate no caso do auxílio-alimentação, as empresas vão migrar para esse sistema e abandonar o PAT. O desconto oferecido é muitas vezes maior que o ganho com a redução do imposto de renda da pessoa jurídica”, afirma Paulo Solmucci.
Outra mudança de impacto foi a imposição da portabilidade no texto do decreto. Ou seja, o trabalhador poderá optar por qual operadora irá receber os benefícios, independentemente do acordo de sua empresa.
O decreto também abre a porta para novos entrantes, mexendo na configuração de “arranjo fechado”, em que cada operadora tem uma rede credenciada e o trabalhador só pode usar seu cartão nos estabelecimentos associados a ela. Isso permitiria, ainda, a entrada dos chamados cartões bandeirados, aqueles que são aceitos nos restaurantes para pagamento em crédito ou débito.
Ainda não há detalhes de como estas mudanças devem funcionar – o decreto ainda deve receber uma regulamentação e, no caso da portabilidade, a regra só passa a valer dentro de 18 meses. Mas a novidade traz novos riscos de desviar-se a finalidade do programa, na visão da Abrasel:
“poderemos viver o mesmo problema do rebate, mas na outra ponta”, avalia Paulo Solmucci. “As operadoras seriam estimuladas a dar um cashback, um estímulo em dinheiro para que o trabalhador faça a troca. E quem paga essa conta é o estabelecimento, mais uma vez, gerando todos os problemas que já conhecemos. É mais uma tremenda distorção da proposta original”, completa o presidente-executivo da Abrasel.
Por fim, o PAT passa ter sua gestão por três pastas do governo: a do Trabalho, a da Saúde e a Receita Federal. Cada uma fica responsável por garantir que os propósitos originais sejam mantidos. E foi mantida a obrigatoriedade de a empresa se inscrever no programa para dar o benefício em troca de isenção no IR, o que traz segurança jurídica.
“É um programa robusto, que tem de ser defendido. São muitos os benefícios para a economia e a saúde no país. Vamos trabalhar para que as ameaças à sua integridade e eficiência sejam combatidas. Precisamos da sensibilidade do executivo e do legislativo para que continue sendo um programa de sucesso, que gera produtividade e traz bem-estar aos brasileiros”, completa o presidente-executivo da Abrasel.
Principais mudanças recentes
• Proibição do rebate: fica vedado exigir ou receber descontos em contratos oferecidos pelas operadoras do benefício. O problema é que a proibição não atinge o auxílio-alimentação, programa paralelo ao PAT.
• Portabilidade: o trabalhador vai poder mudar de uma operadora para outra. A possibilidade, que começa a valer em 18 meses, causa uma severa distorção: abre a porta para que as operadoras comecem a dar incentivos para a troca (no formato, por exemplo, de cashback), custo que deve ser repassado em forma de taxas maiores aos restaurantes – elevando também os preços aos consumidores.
• Interoperabilidade: O objetivo dessa alteração é gerar o compartilhamento da rede credenciada de estabelecimentos comerciais. Também passa a valer em 18 meses
• Gestão compartilhada: O PAT passa a ter sua gestão compartilhada por três ministérios. O Trabalho porque é um benefício oferecido ao trabalhador. A Saúde deve cuidar de aspectos relacionados ao tema de saúde e segurança nutricional. Já a Receita é a responsável pela fiscalização dos aspectos tributários.
• Saldo Remanescente: A nova regulação estabelece que os créditos destinados ao PAT são de titularidade do Trabalhador. Ainda que eventualmente sobre alguma quantia, o crédito continuará sendo do beneficiário.
• Cartão Único: Desde que a operadora do PAT assegure contas separadas, os benefícios refeição e alimentação poderão constar de um único cartão para o usuário. Mas não será permitida a migração de saldo entre as contas, assegurando a destinação específica estabelecida no programa.