É preciso que se inicie, sem mais adiamentos, a refundação do Brasil. Isso pressupõe o fortalecimento dos alicerces nacionais. Em português bem claro: que logo se inicie a era do fortalecimento da cidadania, de baixo para cima, a partir do chão de nossas vidas reais. Isso significa espanar para o lixo da história um Estado que gasta mal, e gasta muito, drenando os recursos da sociedade, alargando e aprofundando a desigualdade.
Este é um diagnóstico realista, sem o otimismo dos que, comodamente, veem os problemas caminhando para uma solução natural. O otimismo aí funciona como álibi para se descartarem as evidências técnicas ou científicas. Não somos acometidos desse mal. Também não nos afeta a visão dos pessimistas. Eles criam um pânico no intuito de se livrarem das responsabilidades, sob o pretexto de que as causas dos problemas estão alojadas em algum lugar do passado. É a vitimização como válvula de escape.
Em ambos os casos (o dos pessimistas e dos otimistas) incide-se a síndrome do avestruz. Conta a lenda que essa ave enfia a cabeça no chão para não enxergar a ameaça que se aproxima. Estamos muito longe de padecer de tais anomalias. Todos nossos sentidos-visão, audição, paladar, olfato e tato, captam as realidades dos vaivéns que nos rodeiam, seja nos dias úteis, nos fins de semana e feriados, de manhã, de tarde e de noite.
Diariamente a gente vive as realidades das gentes. São realidades que se expressam além das palavras pronunciadas, porque o corpo, os gestos e o tom de voz também falam à sensibilidade de um dono de bar, restaurante, café, bistrô, lanchonete, padaria. Portanto, somos capazes de sentir e expressar, com o mais puro realismo (sem as distorções e os vícios dos otimistas e pessimistas), as dores do nosso povo.
As raízes do mal-estar brasileiro estão na desigualdade e na exclusão. Nosso país é o sétimo mais desigual do mundo, sendo superado por apenas seis das mais atrasadas nações africanas. O principal causador disso são os privilégios das altas castas alojadas no topo da pirâmide do Estado. O setor público absorve 40% do PIB, mas está muito longe de ser o provedor do bem-comum, servindo-se a si mesmo.
Metade da população brasileira não tem acesso às redes de esgoto; 35 milhões de pessoas não recebem a água potável; 55% dos domicílios não têm computador, e 33% não estão ligados à rede da internet; 70 milhões de habitantes encontram-se em situação de pobreza; e 13,3% situam-se na faixa da pobreza extrema; há cerca de 12 milhões de unidades habitacionais sem escritura pública; existem 11 milhões de jovens, entre 15 e 29 anos de idade que nem estudam e nem trabalham.
Mas a desigualdade e a exclusão não vêm unicamente do ente estatal. São também geradas pelas corporações privadas que atuam sob a proteção oficial. Apenas cinco bancos controlam 94% dos créditos ao setor privado. Praticam o mais elevado spread do mundo. Outro exemplo: sobretudo nas grandes ou médias cidades, e principalmente nas regiões metropolitanas, as operadoras de linhas de ônibus têm excessivos poderes, que contrastam com a baixa qualidade dos serviços entregues à população.
A barafunda institucional do Brasil resultou em 5,57 mil municípios, sendo que 35% deles sequer arrecadam o suficiente para o custeio de suas prefeituras e câmaras de vereadores. Visto de qualquer prisma, o Estado brasileiro é sempre disfuncional. São 25 partidos no Congresso Nacional. É impostergável a deflagração de um pacto federativo voltado ao reordenamento nacional, a partir dos cidadãos.
Já vem de muito tempo o divórcio entre a sociedade e os políticos. Sem uma estreita conexão entre os representantes e os representados, não há a verdadeira democracia. É preciso alcançá-la, já. Uma longa caminhada começa com o primeiro passo: a instituição do voto distrital misto nas eleições municipais de 2023.
*Paulo Solmucci é presidente-executivo da Abrasel