A participação de novas gerações no mercado de trabalho tem mudado paradigmas, especialmente em relação ao aspecto humano
Em 2023 não foi diferente e esta questão se torna cada vez mais complexa com o passar do tempo.
O setor de alimentação fora do lar por um lado tem crescido em termos de volumes de operações pelos mais diversos motivos: mudanças de hábitos e surgimento de necessidades por conta da maior participação da mulher no Mercado de Trabalho e diminuição da taxa de natalidade, conveniência e praticidade com opções de delivery, grab and go e take away.
Por outro lado, a queda de lucratividade, que vinha ocorrendo mesmo antes da pandemia, a necessidade de ter preços compatíveis com a realidade do Mercado (ávido por preços mais acessíveis) segurando aumentos de custos de tarifas, insumos e aluguéis, o aumento de opções e concorrência, e ainda sob impacto da regulamentação de gorjetas (embora seja de 2017) pioraram ainda mais os resultados das empresas do setor e fizeram rendimentos de boa parte de funcionários se estagnarem ou diminuírem.
Pesquisas da Abrasel trazem mais alguns dados relacionados com o fator H: 35% dos empreendedores tinham planos de contratar funcionários até o final do ano, mostrando o crescimento do setor. Em contraste, 54% planejavam manter o mesmo de funcionários, enquanto 11% indicaram a possibilidade de demissões.
No que diz respeito ao desempenho financeiro, 34% dos estabelecimentos ainda operaram com prejuízo em setembro, mantendo o índice de pesquisa anterior. No entanto, houve uma melhora, com 25% registrando lucro (um aumento em relação à pesquisa anterior) e 41% conseguindo manter um equilíbrio financeiro.
35% das empresas optaram por não realizar alterações nos preços dos cardápios, indicando um desafio persistente em lidar com a inflação, embora 10% a mais tenham ficado em equilíbrio em comparação com a pesquisa anterior.
A pesquisa também revela que 46% dos estabelecimentos têm dívidas em atraso, principalmente relacionadas a impostos federais, estaduais, encargos trabalhistas, serviços públicos e fornecedores, destacando a complexidade financeira enfrentada pelo setor, mas este é um assunto para ser tratado em outra oportunidade.
Desencontro de expectativas
Voltando ao Fator H, o conflito entre empregador e empregado é “insuflado” pela legislação, com seus meandros e minúcias, mas isto já é realidade e todos têm que conviver com ela. Mas parece que há algo novo para lidarmos.
O empregador diz que o empregado nem aparece para entrevista, não cumpre normas, não segue instruções, não preserva materiais e equipamentos, não tem compromisso e outras questões similares. O empregado reclama que o salário é baixo (pelo exposto anteriormente, faz sentido), trabalha muitas horas em condições não ideais, que o patrão não motiva e mais outras tantas alegações.
O que vem ocorrendo sobre o Fator H é que ele está escasso, mesmo havendo desemprego e oferta de vagas no setor de alimentação fora do lar. E isto ocorre em vários países além do Brasil (Estados Unidos, Canadá e parte da Europa por exemplo).
Mas o que está acontecendo então?
Parece óbvio, mas novas gerações não seguem os mesmos padrões das anteriores. Os desejos e aspirações dos nascidos entre 1996 e 2006 (geração Z) é completamente diferente dos nascidos entre 1981 e 1995 (geração Y ou millenials), ainda mais diferente dos nascidos entre 1964 e 1980 (geração X), e um abismo em relação aos baby boomers nascidos entre 1945 e 1964.
E desde 2007, aproximadamente, vêm nascendo os Alpha (teremos que lidar com eles em breve). Há uma certa oscilação para cima ou para baixo destas datas de nascimento, mas vamos considerar como uma simplificação.
Estas diferenças estão associadas ao ambiente de nascimento e crescimento, exposição a tecnologia, ondas de crescimento e recessão, confiança (ou falta de) em instituições, entre outros fenômenos sociais, econômico e ambientais.
Até a chamada geração X, as condições de trabalho e remuneração tinham um peso diferente na escolha de uma carreira ou setor de atuação; no Brasil os vários planos econômicos, inflação fora de controle, mudanças de moeda, instabilidade política geraram um clima de urgência nos nativos destes períodos.
Migrações distribuíram pessoas com necessidades de trabalho por regiões com oferta de empregos e assim boa parte do Mercado de alimentação se sustentou de “mão de obra”. Estes profissionais estão associados ao “fazer” no sentido mais operacional, acostumados aos ambientes não tão saudáveis de uma cozinha ou longas jornadas em pé em salões.
Não por coincidência, a data aceita para início de acesso à internet no Brasil é 1996 e está associada a uma revolução tecnológica na vida dos cidadãos, ainda coincidindo com a estabilidade da moeda e alguma estabilidade política, proporcionando uma mudança nos padrões mentais das gerações mais recentes, influenciando anteriores.
O salto da geração Z transforma profundamente os padrões de comportamento da Sociedade como um todo. E este comportamento se reflete no consumo de refeições e lazer.
Os Z (e algum Alpha), os entrantes no Mercado, são “colaboradores”, mais questionadores e menos presos ao emprego que os das gerações anteriores, não aturam atividades repetitivas e são mais preocupados com maior equilíbrio entre tempo dedicado ao trabalho em relação ao tempo dedicado a si próprio (lazer ou outra atividade).
A defasagem de informação e vícios em relação às “práticas do mercado”, além da falta de procedimentos internos para contratação, integração e treinamento de pessoal são pontos vulneráveis nas empresas e alimentam um desencontro de expectativas, que reduzem a atratividade para o setor de alimentação for do lar nas funções iniciais.
Qual a solução? Hum..., é mais uma equação.
A variedade de opções em outros campos de trabalho com horários, escalas e eventualmente condições laborais menos agressivas, frequentemente enfrentando preconceito em relação a atividade profissional, por muitas vezes relacionada a ser “serviçal”, ignorando os conceitos de hospitalidade e cortesia; o setor não consegue atrair pessoal com qualificação desejável; este é um quadro preocupante.
Mais um motivo para ação:
• Tratar efetivamente os Z como público ou cliente interno é um primeiro passo, dando relevância aos valores de atendimento e promovendo o profissionalismo.
• Dotar de ferramentas que agora são usuais como celulares para o trabalho é muito importante.
• Criar programas internos de treinamento e aperfeiçoamento profissional constante, mas com linguagem e recursos adequados (muita imagem, pouco tempo de duração, digitalização, inteligência artificial, gameficação, entre outros)
• Estabelecer perfis em relação aos cargos e tarefas a serem realizadas para auxílio na contratação de novos profissionais, adotando tecnologias voltadas para a identificação de talentos, são itens obrigatórios na modernização de empresas de alimentação fora do lar.
*Marco Amatti é especialista na área de alimentação e é Diretor Adjunto da Abrasel em São Paulo